Um banquete de sofrimento

Um banquete de sofrimento

Na última newsletter que enviei, fiz uma pergunta sincera: “Como você está?”. Não foi um corriqueiro “tudo bem”, um “e aí?”, foi de verdade mesmo. Considerando que tantas pessoas dos mais diversos lugares do Brasil e do mundo recebem nossos emails, quis saber como estava quem está geograficamente distante, mas muito próximo no mundo online.

Durante dois dias, tudo o que Nath e eu fizemos foi entrar na vida e no sofrimento dos tantos seres que nos responderam por email. Gente desesperada com o Coronavírus e outras com problemas maiores para solucionar dentro de casa. Gente muito triste, gente lidando bem com o caos, gente sem emprego, gente culpada por estar gostando do home office… E muitas pessoas com medo do que há de vir e com lindas reflexões. Um banquete de sofrimento, que te sirvo em pedaços aqui, ao longo deste texto.

Colagem do artista Joe Webb

A vida nunca foi normal

“Hoje me dei conta de que talvez ainda esteja numa fase de negação de tudo isso, pois involuntariamente eu tenho uma fantasia quando vou dormir e quando acordo de manhã. A fantasia vem na forma de um pensamento ou sensação de que amanhã vou acordar e tudo isso não vai ser real, vai estar tudo ‘normal’. Mas se a vida nunca foi ‘normal’, quanto mais agora.”

Nara

Quase como a Nara, tenho acordado pensando: “Será que sonhei?”. Vez ou outra lembro que existe um vírus lá fora, que preciso lavar as embalagens de arroz que compro, que a cidade está parada esperando o vírus não se espalhar. Me sinto num filme futurista, bem na hora do apocalipse. Parece irreal demais para a vida tão normal que eu tinha. Mas o que é normal?

“Que loucura! Que loucura! Nunca pensei que fôssemos passar por isso. Olha que a gente lê tanto e ao menos tenta contemplar a impermanência, mas não nesse nível, né? Acho que esperamos que as coisas mais recorrentes da vida se desfaçam (casamento, vida, empregos, desastres naturais etc), mas não imaginamos um caos como o de agora.”

Joyce

Estamos imersos em uma aula prática do que chamamos de impermanência e conhecemos tão bem na teoria. Não há de ser fácil mesmo, afinal, não entendemos sobre isso lendo ou teorizando sobre o assunto. Sinto o mesmo que a Joyce: parece que a impermanência era sobre o emprego, a saúde, o casamento… Não sobre minha noção de mundo! Eu vi meu bairro se desfazer em 2 dias. Tudo do mais estável, que sempre esteve por lá, parou com um único pedido de isolamento social.

Tantas são as partes ruins desse caos. Essa dúvida com relação ao futuro é um aspecto importante da realidade que a loucura da pandemia nos trouxe. Não há certeza do futuro, mas antes parecia que a gente tinha um pouco de controle, sim… Uma outra pessoa, Maju, nos escreveu contando de sua vontade imensa de saber exatamente até quando isso vai durar. Uma certeza, uma protocolação no cartório, um planejamento para os próximos dias: é só isso que a gente pede… “A vida dá risada de nossas ideias sobre como a vida deveria ser”, como diz o Gustavo.

“Ao mesmo tempo em que a vida continua, cada notícia que vem demonstra como a ‘normalidade’ não se sustenta mais, como esse mundo como conhecemos (ou conhecíamos? já mudamos?) não se sustenta. Só que esse rompimento ainda é muito sofrido, ainda não cheguei na etapa de estar bem completamente com essa quebra!”

Larissa

A normalidade está sendo desafiada. Nosso sistema tão banal das grandes cidades está sendo contestado! Pela primeira vez vi estampado em muitos a certeza de que a saúde deve ser pública e gratuita. Que a vida de ninguém vale menos.

É um debate longo, mas a situação em que estamos rapidamente nos fez colocar os pés no chão. Paulo Guedes disse que, como cidadão, quer ficar em casa e fazer sim o isolamento. Eu vejo pela primeira vez humanidade nele, no Dória, no Covas… Eles tentam. E estamos, no Brasil, finalmente discutindo a taxação de grandes fortunas! Pensa! Um futuro de incertezas é também um futuro de possibilidades.

O sofrimento é combustível

“Internamente, já tive meu dia de surto. Chorei. Minha mania de limpeza está atingindo um nível máximo, mas consegui passar um dia inteiro sem limpar as maçanetas com desinfetante (mata 99,99% dos bichinhos do mal). Vitória total. Como eu já trabalhava de casa, isso não foi uma grande questão. A diferença agora está em lidar com tantas notícias e vibração no medo. Resolvi limitar a quantidade de informações que vejo. Instagram já tinha apagado antes da pandemia e, ao que tudo indica, conseguirei passar sem ele por esse momento. Vitória (2).”

Thamires

Toda a base que usamos para conversar sobre as emoções é o sofrimento. Por mais que conversar sobre o que sentimos seja legal e até divertido, só vamos querer lidar melhor com nossos ataques de raiva quando percebermos que eles nos machucam e machucam os que nos cercam. Eu quero lidar melhor com o medo e com a ansiedade porque, assim como a Thamires, sinto que não é gostoso quando sou tomada por essas emoções dolorosas.

“O ambiente em que me encontro, inserida à volta da natureza, me permitiu uma harmonia, um equilíbrio que tanto eu almejava e buscava… Me senti pequena e envergonhada por estar me sentido bem, observando que nos grandes centros o medo e a raiva estão instalados.”

Adriana

Vez ou outra não estamos no meio do sofrimento. Tem gente que está agora trabalhando home office, almoçando e jantando com a família e adorando. Nem por isso o sofrimento deixa de ser esse combustível: observar cada um dos relatos, mesmo não estando na pele da Nara, da Joyce ou da Larissa, nos aproxima do que é humano. Expande nossas vidas. Nos abre!

“Estamos em situação de privilégios, eu sei. Mas não é por isso que está sendo fácil.”

Paula

“É impressão minha ou ouvir sobre o sofrimento dos outros me deixa mais aberta?”

Patricia, durante um encontro online do curso das emoções

O sofrimento é combustível para nossa abertura, para desejarmos uma ação no mundo mais benéfica. Não à toa surgem coletivos importantíssimos a partir de grandes dores: mães que perderam os filhos, pessoas que sofreram de determinada doença… Não é bonito isso?

Querer compreender o sofrimento, olhar para a origem dele além das aparências e, principalmente, perceber a possibilidade de sua cessação: nasce aqui a melhor motivação para cultivar um bem-estar genuíno por nós e pelos outros!

Imagem de Clemence Vazard

Como ajudar desse jeito?

“Nesse fim de semana me vi exausta e em pânico. Perdi o sono. Imaginei o cenário, previ o caos. Coração acelerado e respiração curta. Com a sensação de que não iria dar conta. Chorei. Eu precisava me acalmar. Afinal de contas, como poderei ajudar estando tão perturbada pelo medo?”

Joyce

“A ansiedade que já morava aqui fica tentando me vencer… sei o que fazer pra amenizar. Mas ainda não tenho conseguido fazer muita coisa. Preocupada e vendo a galera ignorar recomendações básicas de segurança. Tá bem tenso. Mas é o que tem pra hoje. Torcer.”

Taisa

Nossa cultura é muito teórica. Não entendemos exatamente o motivo de ainda não termos superado a irritação, o ciuminho, a frustração… Já lemos mil vezes sobre os males da ansiedade, do medo, da raiva, da inveja e seguimos sofrendo de cada uma dessas emoções. Elas continuam dolorosas mesmo a gente já sabendo que passam, que não são estáticas, que não deveriam conduzir nossas ações.

No meio desse caos, tudo o que não queremos é um fardo a mais para carregar. Talvez não seja a hora de fazer caber uma prática de relaxamento, de atenção ou de compaixão no seu cotidiano. Se for, que ótimo! Nos procure que a gente pode te ajudar.

Enquanto lidamos com o que surge, respiração atrás de respiração, podemos agir com gentileza com nós mesmos. Ao invés de mais cobranças, podemos fazer o que dá para ser feito.

Algo simples e muito efetivo que venho testando por aqui: estar em rede, fortalecer os afetos, trocar com os que nos cercam. Ouvir o sofrimento e a alegria alheia. Dividir grandes insights e bobagens. Ajudar com dinheiro, com mensagens de apoio ou com um ombro amigo. Pedir ajuda, dinheiro, indicação de filme ou de médico. Estar por perto é por nós e pelos outros.

“Aspiro que vocês fiquem bem e aproveitem esse momento o quanto puderem ajudando as pessoas com o curso, agradeço muito pelo acalento no podcast das emoções que sempre me acompanha com dicas úteis para seguir investigando a realidade e se abrindo para os seres.”

Murilo

Estar em rede no curso das emoções é algo que nos abre para além de nossas amizades e nos ajuda a lidar com esses dias instáveis. O acalento que o Murilo coloca aqui em cima é mútuo!

Nos últimos tempos, gravamos 3 podcasts:

O primeiro episódio saiu no nosso podcast, os dois seguintes, no Jornada da Calma e no nosso amado Coemergência. Sem grandes verdades, foi muito bom estar por perto de pessoas que admiramos para uma conversa sincera.

Se você quiser contar como tem sido para você, os comentários estão abertos para seguirmos nesse papo.

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  1. Olá! As vezes tenho a impressão de que estou vivendo um mundo de ficção, de que não é verdade o que está acontecendo. Estava em um momento de muitas mudanças na minha vida, novos planos, novos projetos aí percebi que nada é garantido, somente o agora. Ontem passou, amanhã não sabemos como será, apenas fazemos projeções baseadas no que está sendo hoje, agora. Outros momentos acredito que era uma chacoalhada que a humanidade estava precisando, e que ao passar estaremos certamente melhores do que somos hoje.

  2. A chacoalhada no mundo, nos tira a necessidade de sempre termos uma resposta, nos faz dar um passo pra trás e ver que grande parte do que considerávamos problemas, é pequeno.

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