Trechos de livros que nos levam para emoções

Trechos de livros que nos levam para emoções
@kutovakika

“Cada leitura oferece uma porta que pode nos apresentar um mundo, mais ou menos distante do que conhecemos, mas, ainda que apenas ligeiramente diferente, sempre um outro mundo. Por esse espaço de tempo, passamos a conviver não apenas com as ideias de quem escreveu, mas também com a forma de concatenar essas ideias… Agora o que cada pessoa entende como obra literária pode ser bem diferente. Para mim, inclui os escritos de Sigmund Freud, Charles Darwin e Marie Curie; as canções de Bob Dylan, Florence Welch e Cartola; os comentários de Ailton Krenak; os gibis de Maurício de Sousa; e as histórias que meu pai e minha avó contavam quando eu era criança.”

—Fabiane Secches

Não é impressionante como uma boa obra pode nos tocar tão profundamente? E o que faz uma obra ser boa, se não o fato de realmente falar com nossos sentimentos mais profundos? Às vezes de um lugar tão distante, de uma perspectiva nunca imaginada…

Foi com a intenção de multiplicar nossos afetos que decidimos dividir alguns trechos de autores que descrevem emoções (e episódios) de maneira magnífica. No meio dessa coleção de literatura refinada dos sentimentos, tem de autora jovem e não tão conhecida até Machado de Assis!

Esse é o primeiro episódio, com a Nathália lendo um trecho ardido de inveja, descrito por Elena Ferrante

Tudo isso faz parte dessa série que inventamos para o YouTube. Se você é que nem a gente e se apaixona por trechos de livros, talvez também se encante. Os dois episódios já publicados, de inveja e de medo, nos dão aquela sensação de saber exatamente como é estar nessa posição.

Inveja: “como se nós outras tivéssemos desaparecido”

“Ela se tornara sinuosa. A fronte alta, os olhos grandes que se estreitavam de improviso, o nariz pequeno, as maçãs do rosto, os lábios, as orelhas estavam buscando uma nova orquestração e pareciam prestes a encontrá-la. Quando se penteava com os cabelos presos, o pescoço alongado se mostrava de uma alvura enternecedora. O peito tinha dois pequenos e graciosos pomos, cada vez mais visíveis. Suas costas faziam uma curva profunda, antes de chegar ao arco cada vez mais rijo do traseiro. Os tornozelos ainda eram muito magros, tornozelos de menina; mas quanto demorariam a adaptar-se à sua figura já de moça? Percebi que os rapazes, ao contemplá-la enquanto dançava com Rino, estavam vendo ainda mais coisas que eu. Sobretudo Pasquale, mas também Antonio, também Enzo. Mantinham os olhos fixos nela como se nós outras tivéssemos desaparecido. E no entanto eu tinha mais seios. E no entanto Gigliola era de um louro ofuscante, com lineamentos regulares, as pernas perfeitas. E no entanto Carmela tinha olhos lindos, mas acima de tudo movimentos provocantes.”

Elena Ferrante, em A amiga genial
Liv Ullmann, maravilhosa em seu livro de memórias Mutações

Medo: que doidice infantil é essa?

“Medo de escuridão. Eu tinha doze anos. Minha irmã, dois anos mais velha, fazia suas primeiras incursões na vida social, e mamãe possuía um movimentado círculo de amigos. Eu era velha demais para ter uma babá. O dia inteiro foi cheio desse temor: o medo do momento em que a última pessoa dissesse ‘boa-noite’, do vestíbulo, e eu, deitada na cama, ouvisse a porta bater, fechando-se. O apartamento trovejando seu silêncio em cima de mim. Os cantos escuros. O coração disparando. A fotografia de papai debaixo de meu travesseiro. Um jarro d’água na mesa-de-cabeceira, para eu poder, continuamente, molhar os olhos, a fim de mantê-los abertos. O perigo de adormecer e ser atacada por alguma coisa escondida entre os terrores da noite. Finalmente, a fuga para o banheiro. Um alívio quando a porta foi trancada. Um aposento onde eu podia ver plenamente todos os cantos. Uma coberta e livros, para a minha segurança. Um sono exausto, no chão do banheiro, até a primeira pessoa voltar para casa e bater à porta e perguntar que doidice infantil era aquela.”

Liv Ullmann, em Mutações

Você tem um trecho guardado no seu coração? Divide com a gente?

Se você quiser dividir um trecho literário que te toque, deixamos os comentários abertos — queremos muito sua sugestão. Vale trecho de culpa, de arrependimento, de desprezo, de alegria… Ou então de qualidades maravilhosas e cultiváveis: amor, paciência, bondade, generosidade, disciplina, compaixão… Vai ser uma delícia saber que leitura te toca!

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