Aprendizados emocionais de um quase desmaio

Aprendizados emocionais de um quase desmaio
Arte de @mehmetgeren

Dia desses saí bem cedinho para tomar a segunda dose da vacina da Covid-19. Fui a um posto de saúde perto de casa, bem encapotada de gorro e sobretudo para o frio que São Paulo abrigava. Peguei meu Kindle, os 3 kits de brigadeiro que comprei para oferecer para as funcionárias que me atendessem e fui bem feliz, preparada para esperar quantas horas fossem necessárias na fila, em pé, do lado de fora.

Ao contrário da primeira dose, em que foi tudo bem organizado, dessa vez fui a um posto novo buscando pelo repeteco de Coronavac, e me deparei com uma equipe desorganizada e uma fila imensa.

Enquanto eu lia, em pé e quase que imperturbável, notei uma mulher agitada na minha frente. Muito preocupada com o distanciamento ao ar livre, foi rude com uma mãe e uma filha que estavam atrás de mim, quando essas se aproximaram para que um carro conseguisse entrar numa garagem. Cena de sitcom bom mesmo, as personagens estavam definidas em uma única esquete. A mulher nervosa na minha frente, mãe e filha magoadas, ponderando se o SUS é ou não é bom, bem atrás de mim… Ao lado, a fila dos jovens na casa dos 20 anos um tanto quanto apáticos e bastante desinteressados em manter qualquer contato com o meio.

Nesse clima pouco amigável, o livro foi ficando lento. Penso em trocar a leitura, mas percebo que, na verdade, eu não quero ler. Quero sentar, começo a sentir calor. Tiro o gorro, o cachecol e quando termino de tirar o casaco percebo que não é necessariamente calor o que sinto nos 16 graus ao léu de São Paulo. É a sensação típica do pré-desmaio.

Não sei se você já desmaiou, mas quem vai desmaiar sabe alguns momentos antes o que vai acontecer. Lembrei do pouco que aprendi na formação de Yin Yoga sobre o que fazer antes do desmaio: tinha um ponto da acupuntura que a gente tinha que apertar, mas era qual? Eu tento, mas não lembro. Não dá mais para segurar o corpo, eu penso em pedir ajuda, mas o que me ocorre de mais fácil é recostar no capô de um carro branco rico que estava ao meu lado — uma manobra que julguei muito discreta e que agora concluo que definitivamente não foi.

Começo a realmente prestar atenção na minha respiração. “Não vou perder a consciência, vou relaxar meu corpo onde dá pra relaxar, vou respirar de modo que meu corpo absorva o que precisa”, eu pensava. Além da vergonha em desmaiar, pensei também que as pessoas, no geral, não lidam bem com essas situações. Me levariam pro PS do posto de saúde, que me daria um chá de cadeira e ainda não me vacinaria.

Fiquei ali um tempo que só sei medir porque pouco antes das 9h li uma mensagem no WhatsApp e retomei minhas funções sociais às 9h30, quando fui capaz de pegar o celular e checar o horário. Mas não antes de me recuperar, querer muito uma água, pensar em pedir ajuda, lembrar que saí em jejum de casa, sonhar com alguma comidinha… E lembrar dos brigadeiros! Abri um kit, coloquei um brigadeiro na boca e voltei à vida. Fui salva pela minha própria generosidade.

Pela primeira vez na vida senti a sensação pré-desmaio e não desmaiei! Achei incrível conseguir reverter o quadro e de maneira tão comedida. Até que a fila andou e me ofereceram apressadamente a única cadeira disponível no hall do posto. Daí só imaginei a cena de alguém deitada no capô de um carro que não é seu e como poderia me ocorrer que eu estava sendo discreta.

Absolutamente discreto

Tá, mas o que eu aprendi?

Depois do mal-estar, não parei de pensar no episódio e enumerei alguns aprendizados com essa cena e como se relacionam com como agimos no mundo emocionalmente.

1. Eu não percebo que é um desmaio (nem que é raiva, medo, culpa, inveja…)

Assim como quando eu estou morrendo de raiva de alguém eu quero agir desenfreadamente (e muitas vezes faço isso mesmo), quando estou prestes a desmaiar não percebo de cara que a leitura lenta, o calor, o cansaço e a moleza são só sintomas de algo maior. É por isso que no curso das emoções usamos com muita ênfase um protocolo chamado “linha do tempo das emoções”, do Paul Ekman. Aprendemos como a emoção vem com sintomas físicos e psicológicos e que, ao começar a notá-los, podemos perceber “a faísca antes da chama”.

Eu não notaria que é um desmaio a chama que estava por vir se eu não estivesse bem atenta ao meu redor, por estar naquela situação específica. É essa atenção que a gente deveria levar para a vida, não é? Nathália e eu conversamos sobre esse reconhecimento da emoção num papo sobre inveja no Instagram — essa conversa está bem legal, afinal a inveja é a minha emoção mais discretinha, vem bem silenciosa e toda disfarçada.

2. É muito difícil pedir ajuda

Se eu arrasei notando a faísca do desmaio antes da chama, falhei completamente em pedir ajuda. Eu não negaria apoio a uma pessoa que, nessa situação, me pedisse uma água ou um amparo. Mesmo que passasse pela minha cabeça enquanto eu estava mal que não fazia sentido algum eu não contar para as pessoas que precisava de ajuda, eu não consegui pedir. Talvez por ter visto o clima inóspito antes? Não sei. Só sei que me surpreendi com minha inabilidade social num momento difícil, mas completamente contornável. Imagina num caso muito mais complicado?

3. A generosidade pode salvar quem oferece e quem recebe

O que me fez voltar ao normal foram os brigadeiros que eu carregava para presentear quem me atendesse. Fui salva pela minha própria generosidade, brinquei. Tem um relato no livro Um coração sem medo, de Thupten Jinpa, que mostra como a generosidade pode ser uma porta de abertura para uma relação muito mais profunda. É como se, ao pedir ajuda, eu convidasse a grandeza daquelas pessoas de sitcom para uma conversa. Como se eu fosse generosa o suficiente em deixar que me auxiliem. Seria bonito, mas eu não tive essa habilidade. Aqui, o relato de uma pessoa que, durante o treinamento da compaixão, fez um ato bondoso que abriu seu coração:

“Costumo ir sempre almoçar na mesma lanchonete, e se tornou hábito evitar um jovem maltrapilho na porta, pedindo dinheiro. Ignorar essas pessoas nas esquinas e do lado de fora do mercado parecia ser a melhor maneira de lidar com gente pedindo esmola. Quando estava na quarta semana do treinamento [de compaixão], me surpreendi olhando diretamente para ele: ‘Não dou dinheiro, mas ficarei satisfeito de lhe comprar um sanduíche.’ Esperamos na fila, ele pegou seu sanduíche e me agradeceu ao sair. Ao voltar a encontrá-lo, ofereci pagar seu sanduíche e o convidei a comer comigo. ‘Claro, cara.’ Então fiquei conhecendo a história desse menino de 19 anos, sem-teto, sua coragem de estar na rua, sua gratidão por um momento de bondade. Ainda assim, sinto que ele me deu um presente. Algo aconteceu quando coloquei o treinamento da compaixão em prática. Meu coração está se abrindo aos poucos, minha coragem, crescendo. Seja onde for, as pessoas, que antes não passavam de estranhas, se tornaram reais para mim. Agora estou trabalhando para entender melhor o que o Dalai Lama quer dizer quando afirma: ‘Nunca encontrei alguém que fosse um estranho.'”

Relato em Um coração sem medo, de Thupten Jinpa

Recuperada, entrei, me vacinei e entreguei os 2 kits de brigadeiro restantes para as pessoas que me atenderam.

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