Como criar um senso de propósito, de acordo com a ciência

Como criar um senso de propósito, de acordo com a ciência

Em abril de 2021, o pesquisador Cortland Dahl publicou um texto maravilhoso sobre propósito (no melhor significado que essa palavra pode ter). Fernanda Luise, uma querida amiga que já participou do curso das emoções, traduziu livremente o texto, nós revisamos e está aí a tradução para o português. Vale cada segundo da sua leitura!

avatar
Quem é Cortland Dahl?

Cortland é cientista, pesquisador, diretor do Healthy Minds Innovations e grande praticante de meditação.

Treine sua mente para encontrar significado na vida cotidiana, por Cortland Dahl

Quando foi a última vez que você se sentiu verdadeiramente realizado? Quando sua vida pareceu cheia de sentido e gratificante, ou alinhada com algum propósito mais profundo ou com alguma motivação? Tome um tempo para pensar sobre isso e observe o que vem à mente. A maioria de nós lembra de eventos específicos quando pensa em momentos da vida cheios de significado: o nascimento de uma criança, uma grande conquista, um raro momento na natureza em que tudo no mundo parecia estar certo. Estes são os momentos de auge da vida, e é verdade que é nesses momentos também que nos sentimos verdadeiramente realizados.

Mas esses momentos são exceções.

Nós nos lembramos deles exatamente porque são diferentes, muitas vezes são mundos à parte dos momentos que costumamos ter. É claro, momentos de auge como esses são profundamente nutritivos. O problema é quando começamos a achar que essa sensação de propósito e significado só acontece nessas experiências fugazes. Pode começar a parecer que nossas vidas cotidianas, em contraste, são de alguma forma inerentemente vazias de significado. Que o único jeito de se sentir realizado é viver alguma vida fantasiosa que nunca teremos de verdade. 

As mídias sociais tendem a exacerbar essa perspectiva. Vemos imagens infinitas que fazem parecer que todas as outras pessoas têm o relacionamento perfeito ou o emprego perfeito, ou todo o tipo de tempo livre para se dedicar às suas paixões. É claro, raramente vemos essas mesmas pessoas lavando roupa ou acordando de manhã antes da primeira xícara de café. Nós não vemos seus momentos de dúvida, ou quando eles brigam com seus parceiros ou se estressam por causa das contas não pagas. Toda essa fantasia sobre a vida boa (enquanto se vive a vida “dura”) pode criar um ponto cego enorme.

Se não formos cuidadosos, podemos inconscientemente igualar propósito e realização com circunstâncias raras e fugazes, e perder incontáveis oportunidades de encontrar sentido nos pequenos momentos da vida cotidiana.

por Emma Ovín

A ciência do propósito 

Poucas coisas são tão centrais para nossa saúde física e bem-estar psicológico quanto o senso de propósito. Em um modelo científico desenvolvido no Center for Healthy Minds (onde eu trabalho), identificamos o propósito como um dos quatro pilares do bem-estar. Nosso senso de propósito molda como nos sentimos em relação a nós mesmos e às nossas vidas, mas também está relacionado com a memória e com as habilidades cognitivas, com menores riscos de grandes questões de saúde, como problemas cardíacos e derrame e, acredite ou não, com possuir maior renda e patrimônio.

Ao longo das últimas décadas, um crescente volume de pesquisas científicas tem mostrado que talvez estejamos olhando para os lugares errados em busca de significado e propósito.

O quadro que emerge de toda essa pesquisa sugere que ter um senso de propósito não é algo que descobrimos só quando estamos livres de nossas batalhas e dos detalhes mundanos da vida. Ao contrário, propósito é precisamente o que nos ajuda a lidar com a adversidade. É o que nos dá a força para perseverar quando começamos a perder a esperança, e a encontrar sentido nos detalhes aparentemente sem sentido de nossa rotina diária. 

Para citar um dentre muitos exemplos, uma equipe de pesquisadores liderada por Dennis Charney, um especialista em biologia da resiliência, descobriu que o propósito era o fator chave no prognóstico de recuperação de um grande trauma.

Quando pensamos a respeito, faz todo sentido.

As pessoas que consideramos como as melhores da humanidade, não estiveram livres de dificuldades e sofrimento. Elas, com frequência, encararam adversidades tremendas. Nelson Mandela passou décadas na prisão, privado da maioria das necessidades humanas básicas. Malala não podia ir à escola por ser uma jovem mulher em sua vila no Paquistão rural. Estas situações são trágicas. A questão não é que precisamos de enormes desafios para nos conectarmos com um profundo senso de propósito. E sim que esses notáveis indivíduos, assim como incontáveis outros sobre os quais nunca vamos ouvir falar, foram capazes de encontrar significado e propósito não vivendo uma vida de fantasia de prazer e felicidade, mas transformando sua perspectiva ao encarar o sofrimento e a tragédia. Eles aprenderam a transformar desafios de vida em oportunidades para aprender e crescer.

Se Mandela foi capaz de encontrar sentido em décadas de prisão injusta, e Malala foi capaz de transformar sua própria luta pessoal em oportunidade para abrir portas para jovens mulheres ao redor do mundo, certamente nós somos capazes de usar nossos desafios e contratempos para ganhar uma maior perspectiva na vida. Se olharmos para as vidas daqueles que consideramos nossos verdadeiros exemplos de valores e aspirações elevadas como seres humanos, vamos descobrir incontáveis histórias como estas. Não são nossas conquistas e nossos momentos no auge que definem quem somos. É como nós lidamos com a adversidade, e como nos conduzimos nos incontáveis momentos em que ninguém está olhando, e ninguém vai lembrar. 

Por Emma Ovín

Uma mudança de perspectiva

Grande parte das pesquisas nesta área se concentrou no grau em que as pessoas têm, ou não têm, um senso de propósito. Como eu mencionei acima, esta pesquisa descobriu muitas ligações entre propósito e bem-estar emocional e saúde física. Mais recentemente, uma nova área de pesquisa começou a examinar se um senso de propósito pode ser aprendido ou não. Em outras palavras, estamos programados para ver nossas vidas de uma certa maneira ou podemos cultivar um senso de propósito? E se é algo que podemos cultivar, como fazemos?

Cientistas descobriram alguns jeitos engenhosos de responder a estas questões. Para um deles, parece que propósito não é determinado por nossa biologia, tampouco pelas circunstâncias da vida. Propósito é uma habilidade. É algo que podemos aprender, praticar, e aplicar no meio de nossas vidas cotidianas. 

Um dos estudos mais esclarecedores neste tópico examinou o papel que o senso de propósito desempenha no processo de aprendizado. Uma equipe de pesquisadores conduziu uma série de quatro estudos com mais de 2 mil jovens, alguns no ensino médio e alguns iniciando a faculdade, sendo que muitos deles eram os primeiros em suas famílias a frequentar a universidade. A primeira coisa que eles descobriram foi que os estudantes que relataram um propósito em aprender autotranscendente (ou seja, que queriam aprender não apenas por si mesmos e para terem uma boa carreira, mas também porque assim poderiam retribuir à sociedade) tiveram melhores resultados de aprendizado. Eles eram mais persistentes e mais propensos a permanecerem na escola.

Os pesquisadores então se perguntaram se esse senso de propósito poderia ser aprendido e, assim, criaram um exercício simples para fazer os estudantes pensarem no panorama maior. Seus achados foram notáveis. O exercício era breve, e os estudantes fizeram apenas uma vez, mas isso fez uma enorme diferença. Comparados a um grupo de controle, os estudantes que aprenderam a imbuir sua perspectiva com um propósito autotranscendente, observaram um impacto imediato em seu processo de aprendizado, incluindo comportamentos de aprendizado mais profundos e autorregulação aprimorada, o que se traduziu em médias de notas mais altas alguns meses depois.

A mensagem para levar para casa é que não é o que fazemos que determina quanto de propósito e significado sentimos, mas com nós enxergamos nossas vidas e nossas buscas.

Assim como esses estudantes aprenderam, propósito é uma questão de perspectiva. Eles não mudaram o que estavam fazendo. Eles ainda tinham que estudar, fazer provas, e ficar sentado por horas e horas em aulas. Na verdade, os pesquisadores intencionalmente deram a eles um trabalho chato para fazer. O que mudou para esses estudantes foi sua perspectiva nisso tudo. Eles aprenderam a enxergar seus esforços — incluindo todas rotinas mundanas e detalhes entediantes — como parte de algo maior. E essa simples mudança de perspectiva fez uma diferença dramática. 

Então… como fazemos isso para nós mesmos? Como podemos aprender a mudar nossa perspectiva como os estudantes fizeram? Em meu centro de pesquisa, nós desenvolvemos um programa inteiro para fortalecer o senso de propósito e os outros 3 pilares do bem-estar, e nossa pesquisa está mostrando que aprender essas habilidades leva apenas alguns minutos por dia.

Aqui vão algumas dicas para começar.

1) Pause por um momento de atenção plena 

A parte mais difícil de aprender qualquer nova habilidade é lembrar de fazê-la. A atenção plena (mindfulness) nos reconecta com o momento presente. Nos leva para fora de nosso jeito habitual de ver as coisas e cria um espaço interno, dando oportunidade de enxergarmos as coisas de uma nova perspectiva. 

Um jeito simples de criar espaço interno é parar e trazer a atenção para sua respiração em momentos curtos ao longo de seu dia. Respire algumas vezes de forma lenta e calma e perceba a sensação no seu corpo conforme você inspira e expira. Você não precisa parar o que estiver fazendo. Você pode fazer isso enquanto estiver deitado na cama, lavando roupa ou mesmo quando estiver se exercitando ou conversando com um amigo. A chave é trazer você mesmo de volta para o momento presente. 

2) Torne clara sua motivação 

O próximo passo é conectar o que quer que você esteja fazendo com uma motivação mais profunda, um propósito autotranscendente. Nós temos incontáveis razões para fazer as coisas em nossa vida cotidiana, mas raramente pensamos muito nelas. Algumas dessas motivações são importantes, mas não muito nutritivas. Todos nós precisamos ganhar a vida, por exemplo, mas se essa for a única motivação que ocupa nossa mente, provavelmente nos sentiremos esgotados com o tempo. Ao contrário, nós podemos reconhecer nossas muitas motivações — das mundanas às transcendentes — ao colocar foco naquelas que mais nos nutrem.  

Por exemplo, quando você acordar de manhã, tente pensar consigo mesmo: “Hoje eu farei o meu melhor para deixar o mundo um pouco melhor do que eu o encontrei.” Se você está lavando louça, malhando, ou percorrendo sua lista de tarefas, lembre-se sobre o que você quer que seja sua vida. Amizade, integridade, bondade… Realmente não importa. O que quer que fale com seu eu mais profundo vai funcionar. Essa meditação guiada de 10 minutos pode ser um bom começo.

Agora, isso pode soar um pouco clichê, como um adesivo ruim ou algo do tipo. Mas lembre do exemplo de Nelson Mandela. Se ele conseguiu encontrar propósito e significado preso na solitária, que desculpa nós temos para não aprender a enxergar algo grandioso em nossa rotina entediante? É tudo uma questão de perspectiva.

3) Veja todo momento como uma oportunidade

Como eu mencionei mais cedo, a parte mais difícil aqui é lembrar de fazer tudo isso. A força do hábito é forte. Leva tempo para trabalhar em qualquer nova perspectiva. Mas uma vez que você se acostuma com essa forma de ver as coisas, leva apenas um momento para se reconectar com suas motivações mais profundas. Você pode então ir além, treinando-se para ver todos os momentos como uma oportunidade para aprender e crescer.

Se algum dia você se sentar para escrever sua biografia, você pode muito bem focar nos grandes marcos e nos maiores desafios que encarou, mas a vida é na verdade o que acontece entre esses momentos memoráveis. Acontece nos incontáveis pequenos passos que damos cada dia. Como observamos nas vidas das mais inspiradoras figuras humanas da história, e como os estudantes que aprenderam a trazer uma nova perspectiva para sua jornada de aprendizado, cada momento é uma oportunidade. 

Nós não temos que esperar pelos momentos em que estaremos no auge para nos sentirmos verdadeiramente realizados. Podemos tratar o propósito como uma habilidade e nos treinar para encontrar significado nos altos, nos baixos, e em tudo aquilo no meio.    

equilíbrio emocional na sua empresa

Tem interesse em levar um curso sobre equilíbrio emocional para sua empresa ou escola? Nosso curso propõe um passo a passo que pode nos ajudar a cultivar um bem-estar emocional no ambiente de trabalho e além dele.


  1. Achei o texto muito interessante, e se de fato pararmos para observar à nossa volta estamos constantemente obtendo pequenas e significativas conquistas!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Relacionado:

Ignorância emocional nas empresas

Ignorância emocional nas empresas