Já faz um tempo, Isabella e eu temos nos dedicado a investigar como a arte pode nos apoiar nesse olhar mais investigativo sobre as emoções. Não raro, nos empolgamos com trechos de livros, cenas de séries, filmes e documentários. Uma vez ouvimos uma fala linda de Clarice Niskier:
“A função da arte é não precisar que alguém morra na sua frente para você se tocar de algo. A arte é uma grande amizade. O outro passou por uma coisa e está dando sua história de bandeja.”
É bonito que o cinema, por exemplo, como uma boa representação da realidade, pode nos ensinar um tanto sobre o que sentimos, como sentimos e, especialmente, agimos (ou poderíamos agir). Sempre penso na quantidade incomensurável de vidas possíveis para além das nossas bolhas. Realidades difíceis de imaginar, culturas e mentes completamente diversas. A arte nos faz esse convite de passearmos por novas possibilidades.
Tem sido um grande aprendizado olhar para cenas com a curiosidade de apreendermos com aquilo. Desde um trecho completamente perturbador em que, movidos pela raiva, personagens a que já estamos afeiçoadas nos mostram lados impulsivamente sombrios: em História de um casamento, Charlie diz a Nicole, “todos os dias acordo desejando que você esteja morta”. Até passagens que mostram diálogos tão abertos e verdadeiros que nos inspiram querer cultivar aquela habilidade um dia, como a bonita conversa entre pai e filho no filme Me chame pelo seu nome.
Em texto publicado originalmente pela Folha de São Paulo, o genial Contardo Calligaris escreveu:
“Graças ao cinema, qualquer sujeito da segunda metade do século 20 se apaixonou, comoveu-se, indignou-se por uma diversidade inédita de histórias. Com isso, nunca como hoje tivemos uma consciência da unidade por trás da multiplicidade das culturas e dos destinos. Nunca como hoje tivemos a sensação de que a imensa variedade das experiências humanas (misérias e grandezas, sonhos e pesadelos) é apenas um repertório de vidas que poderiam todas ser as nossas -a ponto que, por um instante, numa sala escura, sentimos facilmente seu gosto.”
Passear por esses enredos com interesse de olhar para um vasto “repertório de vidas que poderiam todas ser as nossas” pode, em alguma medida, nos salvar. Ao ver uma explosão de raiva como a de Charlie, compreendemos que poderíamos cair ali com facilidade. Então, exatamente porque ganhamos a história de badeja, talvez seja possível não chegar tão longe em uma ação que não volta no tempo.
Por outro lado, essa mesma arte, muitas vezes, nos oferece exemplos de como apreciar a vida. Em Um lindo dia na vizinhança, Fred Rogers enche nossos olhos de água com seu jeito cheio de bondade, alegria, gentileza e atenção.
A arte oferece de bandeja esse outro que nos aproxima de infinitas realidades: algumas vezes duras, outras românticas, bonitas, sufocantes ou inspiradoras… Sempre um convite para olharmos uma vida que é ampla, muito além de nossa realidade autocentrada. Um convite para conhecer esse outro que é exatamente como você e eu, só que com outras histórias (que poderiam todas ser as nossas!).
Obrigado por falar sobre arte e emoções. Sempre aprendo muito com vocês! Das referências, duas já vi depois que indicadas aqui: Um lindo dia na vizinhança e Histórias de um casamento. Me chame pelo seu nome já vi também, gostei de ver citado no texto. Beijos!