Raiva, medo e inveja na obra de Elena Ferrante

Raiva, medo e inveja na obra de Elena Ferrante

Fizemos uma série especial de 4 episódios no podcast das emoções sobre a tetralogia napolitana de Elena Ferrante: A amiga genial, História do novo sobrenome, História de quem foge e quem fica e História da menina perdida. Esse foi um jeito que encontramos de transformar nossas conversas incrédulas sobre a sagacidade emocional da obra em um papo que abrimos também para você, que leu Elena Ferrante e se emocionou com os altos e baixos de Lila e Lenu.

O primeiro episódio é uma introdução ao tema: quem é Elena Ferrante, que febre foi essa, como chegou até nós e como ela consegue falar com nossos anseios mais profundos. Em seguida, fizemos mais 3 episódios sobre as emoções que mais nos perturbaram ao longo da leitura: inveja, raiva e medo. E em todos os episódios convidamos amigas queridas e leitoras ávidas de Ferrante para engrandecerem o papo.

“Elena Ferrante me emociona porque ela fala pra mim e ela fala de mim. Quando eu leio os livros da Ferrante, eu me espelho nas personagens dela. E parece que as personagens estão me mostrando aquilo que eu sou nas minhas emoções mais profundas: na minha raiva, na minha inveja, na minha insegurança… Ferrante tem esse dom de falar pra gente e colocar a gente num patamar universal. Esse dom de falar sobre os sentimentos sobre os quais a gente não quer falar, dos quais a gente se envergonha de enfrentar e de olhar.”

Isabela Discacciati, a criadora do perfil Clube Ferrante, foi uma das nossas convidadas

No segundo episódio, conversamos sobre uma emoção que permeia a relação de Lila e Lenu, tão cheia de camadas: a inveja. Talvez seja por conta dela que a tetralogia é uma febre no mundo todo. A relação de amizade das protagonistas é contraditória, havendo uma profunda intimidade ao mesmo tempo em que existe e se mantém um distanciamento.

Há uma simplificação na hora de tentarmos compreender a complexidade humana, especialmente no que diz respeito à inveja. Associamos a inveja com nossos “inimigos”, mas na verdade, sentimentos e emoções dolorosos são bem comuns em qualquer relação… Inclusive na amizade.

O primeiro grande engano sobre a inveja é esse: achar que ela é incompatível com relações próximas e de quem gostamos. Não é errado sentir inveja. E, de verdade, nossa mente pouco se importa se é certo ou errado, feio ou bonito: ela simplesmente sente. Então a pergunta mais importante de levarmos ao contemplarmos essa emoção não é “como me livrar da inveja?” e sim “como posso agir melhor quando ela chegar?”.

“Eu poderia ter escrito aquilo. Se eu soubesse colocar em palavras todas as emoções que eu já senti, eu poderia ter escrito aquilo! (…) Eu tenho a sensação, às vezes, de que é como se a Elena Ferrante pegasse uma lupa em cada momento de amor, raiva, inveja, nojo, repúdio… É como se ela pegasse uma lupa, me desse, e fizesse eu olhar para algum momento da minha história que estava aqui esquecido.”

Luana Ide, leitora ávida de Elena Ferrante, em um depoimento para o episódio sobre inveja do podcast das emoções
Um trechinho do podcast sobre inveja

O terceiro episódio falou sobre raiva na conturbada Nápoles da história de Elena Ferrante. E é um assunto infinito pois é como se o tempo todo Lila e Lenu estivessem tentando lutar contra um sistema que naturalmente oprime as mulheres. As personagens transitam em extremos emocionais, ora suprimindo suas dores, ora expressando-as completamente. E não porque são seres mais emocionais. Fazem assim porque são mais desacreditadas, violadas, reprimidas pelos outros e por si mesmas…

“Lembro da raiva que a gente sentia, na tetralogia napolitana, quando a Lenu abandonava e quando ela era abandonada. E aí eu fico pensando o quanto para nós, mulheres, não é permitido abandonar: projetos, pessoas, lugares… E isso é uma coisa que é tão importante de ser falada na obra da Ferrante. Uma literatura de mulheres que normalmente são mães e que abandonam, e que sentem raiva dos filhos. E essa raiva em relação às pessoas que a gente ama, eu acho tão importante na obra da Ferrante.”

Raíça Augusto, professora de literatura, amante da tetralogia
Um trechinho do podcast sobre raiva

Por fim, conversamos sobre o medo. Essa emoção que é o pano de fundo do perigoso bairro de Nápoles onde crescem Lila e Lenu. Em uma infância permeada por “palavras que matam” — e elas são tantas: crupe, tétano, tifo, exantemático, gás, guerra, torno, escombros, trabalho, bombardeio, bomba, tuberculose, supuração…

Neste episódio, tocamos em pontos como opressão feminina (no bairro, claro, e na cidade — especialmente com a tal síndrome da impostora, nítida assim que Lenu se torna escritora) e desmarginação (uma crise de ansiedade, uma síndrome do pânico, uma resposta do corpo de Lila a um ambiente claustrofóbico?).

“Não se engane nem por um momento: não são apenas os limites do bairro que parecem se fechar ao redor das personagens, afogando sonhos, esmagando desejos. É que ser mulher é claustrofóbico.”

Jules de Faria, no livro de Fabiane Secches sobre a obra de Elena Ferrante
Um trechinho do podcast sobre medo

Fazer esse podcast foi um trabalho de mergulho na escrita de Elena Ferrante e também em nossas dores mais profundas. Ficamos muito contentes com o resultado e esperamos de coração que essas conversas reverberem em você, leitor ou leitora da tetralogia.

Leitura de Nathália Roberto de um trechinho altamente emocional de A amiga genial

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