A inteligência do medo

A inteligência do medo
Por Gab Bois

Quando comecei a olhar para as emoções foi inevitável querer me livrar de algumas delas. A raiva, que me dói muito, foi uma. A inveja, certamente. Agora, o medo, essa coisa horrorosa de sentir, foi a que mais tive dificuldade de entender o motivo de existir repercutindo tanto em nossas vidas.

Nenhuma emoção é somente boa ou somente ruim. Quando nos debruçamos sobre a função de proteção do medo, fica muito mais fácil de perceber que, sim, o medo também tem um lado positivo. Mas e seus estados associados que corroem nossos cotidianos? A ansiedade com o celular que vibrou e que agora não posso atender, a preocupação com a saúde da minha família no meio dessa pandemia, o nervosismo com a violência das grandes cidades…

Como essa imagem aflitiva acima, da artista Gab Bois, o medo vem com uma armadura que pode desencadear tão mais estrago do que proteção. É isso o que explica Gavin De Becker, autor do livro Virtudes do medo e especialista (na teoria e na prática) em previsão e prevenção da violência.

Trouxe aqui um trecho desse livro que abriu minha visão para como o medo não só é importante como está diretamente ligado a algo que subestimamos: nossa intuição. Gavin De Becker traz exemplos reais e cita pesquisadores para nos contar sobre a inteligência do medo (e como alguns estados associados são completamente dispensáveis). É como se tivéssemos uma permissão para tirar nossas armaduras!

A inteligência do medo

Trecho do livro Virtudes do medo, de Gavin De Becker

O medo real é um sinal que deve ser muito rápido, um mero servo da intuição. Mas embora muita gente afirme que o medo prolongado, sem resposta, é destrutivo, milhões de pessoas preferem continuar assim. Talvez tenham esquecido, ou jamais souberam, que o medo não é uma emoção como a tristeza ou a felicidade, que duram um certo tempo. Não é um estado, como a ansiedade.

O verdadeiro medo é um sinal de sobrevivência que soa apenas na presença do perigo, mas o medo injustificado exerce um poder sobre nós que não tem sobre nenhuma outra criatura na Terra.

Em The Denial of Death, Ernest Becker explica que “os animais, para sobreviver, tinham de estar protegidos por reações de medo”. Alguns darwinistas acreditam que os primeiros humanos que sentiram mais medo foram os que tiveram mais chances de sobreviver. O resultado, diz Becker, “é o surgimento do homem como o conhecemos; um animal hiperansioso que inventa constantemente motivos de ansiedade até quando eles não existem”. Não precisa ser assim. (…)

Não faz muito tempo, eu estava num elevador com uma senhora idosa que descia para a garagem no subsolo depois do horário de expediente. As chaves estavam enfiadas entre os dedos como se fosse uma arma (o que também revelava o seu medo). Ela teve medo de mim quando entrei no elevador assim como deve ter medo de todos os homens que vê pela frente quando está nessa situação vulnerável. Compreendo o seu medo e me entristece saber que milhões de pessoas sentem o mesmo com tanta freqüência.

O problema, entretanto, é que, se alguém tem medo de todo o mundo o tempo todo, não sobra um sinal reservado para os momentos em que ele é realmente necessário.

Um homem que entra no elevador num andar diferente (e que, portanto, não a está seguindo), um homem que não lhe dá atenção, que aperta o botão para descer num andar que não é o dela, que está vestido adequadamente, que é calmo, que se mantém a uma distancia adequada, não vai machucá-la sem dar antes um sinal. Esse medo é um desperdício; portanto, não o invente.

Recomendo sempre cautela e precaução, no entanto muita gente acredita — e até aprendemos isso — que para nossa segurança devemos estar mais do que alerta. Na verdade, em geral essa atitude diminui a probabilidade de percepção de riscos e, portanto, reduz a segurança. Olhar ao redor alarmado enquanto pensamos, “alguém pode sair de repente de trás daquele muro; talvez alguém esteja escondido naquele carro” substitui a percepção do que realmente está acontecendo por fantasias do que poderá acontecer. Estamos muito mais perceptivos a todos os sinais quando não nos concentramos na expectativa de sinais específicos.

Você acha que um animalzinho que sai correndo em ziguezague faz isso porque está com medo, mesmo que não exista perigo nenhum. Na verdade, a disparada é uma estratégia, uma precaução, não é uma reação a um sinal de medo. Precauções são construtivas, enquanto que permanecer com medo é destrutivo. Pode até levar ao pânico, que em geral é mais perigoso do que o resultado que tememos. Os montanhistas e os nadadores de longos percursos no oceano lhe dirão que não é a montanha ou a água que mata – é o pânico.

“Não é a água que mata, é o pânico” — fotografia de Eric Kogan

Como sei que muitas mulheres nos seguem aqui no curso das emoções, quero de coração indicar esse livro. As recomendações realistas do autor podem salvar nossas vidas de ameaças verdadeiras. Nosso “não” ainda tem menos valor nessa sociedade machista, fomos ensinadas a não contrariar nem nos impor para não parecermos intransigentes, e isso tudo joga contra nós em uma situação de real perigo.

Ao mesmo tempo que ativamos reais sinais de alerta, olhar para o medo nos ajuda a cultivar um estado mais tranquilo, sem alimentar ansiedades, nervosismos e preocupações. Conectadas com o que sentimos, não com medos que imaginamos, podemos aprender a relaxar e não embarcar na tensão contínua a que geralmente estamos habituadas.

Medo no podcast das emoções

Temos vários podcasts sobre o medo no podcast das emoções: um destrinchando uma música de sertanejo raiz e 2 sobre ansiedade: um bem engraçadinho e um bem sério. O mais recente sobre o medo traz um caso emocional que aconteceu com nosso amigo Eduardo Amuri. Estamos em alguns agregadores de conteúdo e no Spotify, claro!

o curso das emoções

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