“O desprezo é ácido sulfúrico para o amor”. É com essa frase que o psicólogo John Gottman começa o trecho abaixo, que transcrevemos e adaptamos a partir de uma tradução de Jeanne Pilli. John Gottman é conhecido mundialmente por sua longa pesquisa em estabilidade conjugal e previsão de divórcio. Seu trabalho pode ser encontrado em livros sobre casamento, confiança, criação de filhos e muitos assuntos ao redor desse grande tema que é o relacionamento humano.
Quando falamos sobre o desprezo, uma emoção tão difícil de defender, muitas vezes nem percebemos como ela é cotidiana e pode estar silenciosamente dentro das nossas relações mais íntimas. Uma emoção que aparece para mostrar que o outro é claramente inferior. Não faz sentido lógico o desprezo estar presente em relações com pessoas que escolhemos para caminharem ao nosso lado, mas muitas vezes acontece — e é um bom fator para prever o divórcio.
No trecho abaixo, John Gottman explica que o desprezo é corrosivo para o amor e pode nos adoecer. Se somos todos seres sociáveis, o que mais pode nos ferir é ser alvo do desprezo de alguém. De alguém que amamos ainda… Muito pior!
O desprezo é ácido sulfúrico para o amor
*Por John Gottman
O interessante sobre o desprezo é que ele é o melhor fator para prever um divórcio. O desprezo é ácido sulfúrico para o amor.
Em um dos nossos estudos, descobrimos que, se você diminuir o volume do filme e contar o número de expressões faciais de desprezo, esse é um ótimo jeito de prever o número de infecções que o alvo da emoção terá nos quatro anos seguintes. O desprezo não é corrosivo apenas para o amor: também é corrosivo para o sistema imune – e contribui para adoecer as pessoas.
O antídoto para o desprezo é, ao contrário do criticismo, criar uma cultura de apreciação no casamento. Para entender como transformar essa cultura, primeiro é preciso entender como funciona a mente de uma pessoa crítica.
O crítico é uma pessoa que entra em uma sala se sentindo um pouco irritada, e procura motivos para essa irritação. E começa a apontar às pessoas os erros que cometeram e que estão contribuindo para a irritação que ela está sentindo.
O crítico, em sua mente, busca aquilo que falta na relação em vez de avaliar a relação em termos do que já está lá — e que seria o antídoto para o desprezo. E é isso o que os mestres fazem: eles apreciam o que está presente.
É preciso entender o que o crítico espera do mundo. E a maioria dos críticos fica andando por aí, esperando que as pessoas respondam aos seus julgamentos dizendo algo como:
“Muito obrigado por apontar todos os meus erros! Você é tão perspicaz! Podemos almoçar um dia desses para você me falar mais sobre como eu te chateei e sobre como eu posso ser um ser humano melhor?”
É isso que o crítico gostaria de receber como resposta! E, para ele, é uma decepção as pessoas não responderem dessa maneira. Em vez disso, as pessoas evitam os críticos.
Muito desse criticismo (ou dessas atitudes críticas) é na verdade um extravasamento de autocriticismo. Acho que esse padrão de criticar é um hábito da mente, que as pessoas aplicam em todos os lugares: nos outros e nelas próprias. Olham para si mesmas e dizem: “Pois é, você não é tão esperto”, “Você não é tão bom”, “Você não merece esse aumento”… Esse é um tipo de diálogo interno em que as pessoas ficam dizendo a si mesmas coisas negativas sobre elas próprias e isso transborda para o mundo. É um hábito da mente.
George Carlin descreve a rotina de uma pessoa crítica dirigindo na estrada. O crítico dirige na estrada e vê dois tipos de motoristas: os idiotas, que dirigem mais devagar que ele e os maníacos, que dirigem mais rápido que ele. Então, ele dirige na estrada gritando: “Seu idiota! Qual é o seu problema? Anda, anda!”, “Seu doente! Olha como esse cara dirige! Ele vai se matar!”.
Esse criticismo é um hábito da mente que você aplica a tudo! O antídoto para este hábito é, justamente, não se envolver tanto com os erros dos outros. Deixá-los cometer seus erros e procurarem eles mesmos o que funciona e o que está certo.
Nos faltam recursos emocionais
Acaba aqui o trecho de John Gottman e quero te contar que um dos filmes que mais impressionou a mim, Isabella, foi Cenas de um casamento, de Ingmar Bergman. Fica claro que, mesmo quando há boa intenção, podemos ser cruéis, nos machucar e machucar muito os outros. “Somos analfabetos emocionais”, diz o professor Johan à esposa Marianne, no meio de um desgastado término.
Encontrei essa matéria de 2011, do Independent, sobre a repercussão do filme em 1974 na Suécia. Traduzi livremente um trecho que acho que pode nos dar muitas dicas de nossa carência de recursos emocionais para lidar com os que nos cercam:
“Originalmente feito como uma série para a TV, ‘Cenas de um casamento’ se tornou um fenômeno na Suécia. Bergman se viu escalado para o improvável papel de conselheiro matrimonial. Estranhos o abordavam para pedir conselhos sobre seus relacionamentos. Ele foi obrigado a mudar seu número de telefone para escapar das súplicas de maridos e esposas miseráveis. No lançamento do filme, houve debates sobre a instituição do casamento. Os comentaristas disseram como era saudável para a nação que os cônjuges em guerra estivessem finalmente discutindo seus problemas abertamente. No entanto, as taxas de divórcio aumentaram em vez de diminuir.”
É engraçado como, ao colocar o problema, Bergman se torna automaticamente um sábio sobre os relacionamentos! Certamente ele descreve tão bem estes problemas porque, justamente, seu casamento com Liv Ullman (a Marianne do filme) já não era dos mais estáveis. Em seu livro Mutações, Liv conta muitas histórias com Ingmar que dariam um seriado inteirinho pra televisão.
Estamos tão escassos de recursos que consideramos quem aponta o problema já uma solução para nosso analfabetismo emocional! Por isso também buscamos tanto por soluções simplistas. O buraco é mais embaixo — e dá para começar, como diz John Gottman, por nós mesmos.
o curso das emoções
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Lindo texto! Gostei muito do tema e de ter trabalhado com um filme para ilustrar.