Carta a uma amiga no puerpério

Carta a uma amiga no puerpério

Priscilla Almeida já é conhecida deste site. Ela escreveu um bonito texto, carta aos meus filhos, e gentilmente nos deixou publicar aqui.

Semana passada, nos escreveu um email contanto da carta para uma amiga em fase de puerpério. Como essas palavras podem ser de ajuda para muitas outras mães, mais uma vez achamos que não deveríamos guardar para nós.

Olá, tudo bem com vocês?
Ontem, uma colega de trabalho que eu não falava há alguns anos, encaminhou uma mensagem pedindo para escrever sobre o puerpério. (…)  Lembrei-me muito de vocês, quando vocês dizem sobre a romantização, nossa inabilidade de lidar com o sofrimento do outro, necessidade de querer resolver o problema do outro e não dar espaço para a tristeza. (…) Compartilho com vocês a carta que surgiu deste pedido.  
Um beijo grande e boa semana, Pri

Querida amiga,

Primeiramente, gostaria de te pedir desculpas por tudo que está sentindo e, de alguma forma, não é validado ou (sem querer) ignorado. Não é porque as pessoas não queiram o seu bem, muito pelo contrário, é que infelizmente estamos nos tornando inábeis em lidar com as dores do outro (e com as nossas também). 

Simone de Moraes, Roda da Fortuna, 2016

O puerpério parece muito dual. Ao mesmo tempo que sentimos uma potência dentro de nós (de ter gerado uma vida em nosso ventre), nos sentimos muitas vezes sem força, cansadas e esgotadas. Ao mesmo tempo que amamos muito um serzinho que depende integralmente de nós, também sentimos culpa por estarmos exaustas com todas as mudanças que acontecem repentinamente em nossas vidas. É como se a nossa vida não fizesse mais parte de nós mesmas.

Entendo todas as lágrimas que escorrem por seu rosto cansado, percorrendo olheiras de noites e noites sem dormir. Entendo também o quanto é difícil falar sobre isso com as pessoas, que muitas nos dizem: “você queria tanto um filho, olha só quanta saúde ele tem! Será que você está se alimentando direito? Não me lembro de me sentir assim…”

Não sei se estas foram as frases que escutou, foram algumas das que ouvi. Me lembro que em alguns dias, debaixo do chuveiro, a água que caía chegava a confundir com as lágrimas em meus olhos… Parecia que mesmo que quisesse respirar bem fundo, não tinha ar suficiente para encher meus pulmões. 

Não sei se consigo te ajudar de alguma forma. Gostaria, entretanto, de te abraçar fortemente essas palavras, já que estamos longe neste momento. 

1. Não existe nada de errado com você

É comum sentir-se cansada, seus hormônios mudaram, sua rotina bagunçou, suas noites de sono não são mais para dormir e sim para amamentar. Parar para comer tranquilamente não faz parte do seu cotidiano e você também não tem tempo para fazer algo que possa canalizar este cansaço.

As vezes nós, que estamos fora da situação, esquecemos de dizer essas coisas porque vivemos em um momento de compensação e rejeição do sofrimento. Infelizmente não sabemos lidar com ele. Tentamos ajudar dizendo para pensar pelo lado positivo a qualquer custo e, sem querer, fazemos com que sinta que existe algo de errado com você.

2. Não precisa ter vergonha de sentir-se cansada

As mães no puerpério só querem escutar que os medos, angústias e receios são comuns em muitas mulheres e isso não afeta o amor por nossos filhos. Imagino que aconteça o mesmo com você! Não precisa ter vergonha de sentir-se cansada, nem mesmo culpada. Eu, e acredito que milhares de mães, sentimos o mesmo. Ainda assim você não deixa de dar o seu melhor ao seu filho. 

Não é pecado sentir tristeza e saudades dos momentos em que ainda não era mãe. Existe uma beleza na tristeza que senti quando mudei-me de país. Embora esteja em um país maravilhoso, que nos acolheu respeitosamente, sinto saudades da vida no Brasil. Às vezes bate uma tristeza. Não porque aqui seja ruim, mas porque tive muitos momentos bons e bem vividos aí. Observar a tristeza com cuidado e carinho, aceitá-la como parte da vida, faz brotar uma abertura no coração para validar a tristeza dos outros também.

3. Não se fixe nos acertos, seja presença

Nem sempre vamos entender o que os nossos filhos desejam de prontidão. Mesmo que as pessoas possam ter a resposta na ponta da língua: “é fome”, “está sujo”, “isso é uma cólica”… Muito provável que, mesmo ao longo do tempo, acostumados a prestar atenção em cada tipo de choro, ainda vamos errar seus significados, porque eles vão mudando (e nós também).

A conexão com o nosso bebê não vem de um lugar de acertos, mas do nosso olhar e tentativas em aliviar a dor e incômodo dele. Vem da nossa disposição em descobrir formas de comunicação, gestos de conforto, olhares de compreensão. Então, por favor, não se fixe nos acertos ou erros, apenas na sua intenção em ajudá-lo e ser presença. 

4. Tudo bem pedir ajuda

Não precisamos ser autossuficientes o tempo todo. Pedir ajuda é um ato de coragem, é nos mostrarmos essencialmente humanas. Uma vez li que esta atitude nos torna capazes de dar ao outro a oportunidade de ser generoso. Converse sobre você, não tenha vergonha. Você não está sozinha. 

Se em algum momento não conseguir expressar alegria (ou ver tudo por um ângulo positivo), não tem nada de desumano. Pelo contrário, é perfeitamente humano. Por mais difícil que seja, é libertador nos permitirmos sentir o que vier. Sem nos apegarmos, para dar espaço a outras experiências. Sem aversão, para não deixarmos o medo nos aprisionar em conceitos sólidos sobre nós mesmos. 

Mais uma vez, gostaria de te agradecer pela abertura e confiança em dizer que está difícil. Esta atitude me humanizou, me ajudou rever meus comportamentos e reações quando alguém diz que as coisas não estão legais. Que você possa se sentir abraçada enquanto lê esta carta. 

Um beijo muito grande,

Pri Almeida

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por Pri Almeida

Pri usa a escrita como um caminho para despertar, conectar e cultivar compaixão. Encantada pela natureza e por poesia, é casada com o Carlos e é mãe do Miguel, de 7 anos, e da Beatriz, de 4. Ela foi aluna do nosso curso online. Para ler suas histórias do cotidiano: prialmeida.com (ou siga ela no Instagram).

  1. Parabéns!
    É uma linda carta que nos leva a reflexão. Venho acompanhando os textos da Priscilla tbem.
    Amei o curso de vcs e em breve vou fazer uma reciclagem.
    Gratidao

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