Estou fazendo aulas de italiano e vivendo aquela sensação boa de aprender uma coisa completamente nova. A sensação de um mundo inteiro se apresentando a mim — um mundo que sempre esteve lá, e que eu nunca tinha visto.
Do alto das minhas lições do italiano básico, eu tenho muito para te contar desse novo mundo que estou vendo. Uma língua nova é um mundo novo. É um novo jeito de construir frases, é uma nova maneira de falar coisas no plural, uma nova cultura em que mudam as entonações, as interjeições, os gestos…
Algumas coisas muito simples me encantam, por exemplo:
asciugacapelli = “secador de cabelos”
asciuga = enxuga, capelli = cabelos
Tem coisa mais fofa? Tem, sim!
asciugamano = “toalha de mão”
asciugamano grande = “toalha de corpo”, mas que leva “mão” em sua composição
Outros aprendizados são mais filosóficos. Como, por exemplo, o fato de nipote ser uma palavra que significa neto, neta, sobrinho ou sobrinha. Num primeiro momento, não faz sentido nenhum! A Itália é um país de famílias tão numerosas… Depois, faz total sentido: numa família gigante, a palavra nipote é válida para definir um grande número de seres e atende bem ao “é alguém mais novo da minha família”. Gosto também que sentire é um verbo que significa “sentir” ou “ouvir” — o que me faz viajar ao prestar atenção em músicas românticas italianas, vendo os muitos significados que podem ter.
Para terminar, um ponto filosófico que me arrebata, incentivado pela minha professoressa Amabile Barel, que vai fazer seu mestrado em cima disso: no italiano se usa muito o verbo “fazer” para falar sobre seu trabalho. Por exemplo, no português dizemos: “Eu sou professora, você é advogado”. No italiano essa construção é válida, mas há outra mais divertida, que numa tradução literal fica assim:
“Eu faço a professora, você faz o advogado”
“Io faccio l’insegnante, tu fai l’avvocato”
Não é brilhante? Um jeito de construir a frase que nos lembra que não somos aquela profissão. Estamos apenas interpretando por um tempo essa identidade, como atores que somos.
Yoshi Oida bate muito na tecla de que todos somos personagens, seja no palco (como Hamlet, Édipo Rei e Alaíde) ou na vida real (como “médico”, “mãe”, “pessoa engraçada” ou “ator japonês”). O problema é que na vida real levamos nossos papéis muito a sério:
“Quando um ator interpreta Hamlet, ele não acredita perder sua própria identidade para tornar-se o príncipe dinamarquês chamado Hamlet. (…) Na vida real, quando o garçom num café está vivendo seu ‘papel’ de garçom, é o mesmo que o ator interpretando Hamlet. Ele criou uma analogia. Quando estamos interpretando Hamlet sabemos que estamos interpretando alguma coisa que não existe. Não nos iludimos com isso, acreditando realmente que somos Hamlet. Mas na vida cotidiana uma pessoa pode verdadeiramente acreditar que é um ‘garçom’. (…) As pessoas lutam por uma realização perfeita de suas ‘esculturas/analogias’ para se sentirem completamente protegidas. Mas isso é ilusão.” [Yoshi Oida, no livro Artimanhas do ator]
Para aprender é preciso a abertura da experiência
Essas ideias que pipocam na mente não acontecem só quando a gente aprende italiano não… Lembrei que fiquei assim no primeiro ano que fiz minha formação de atuação pra cinema, lembrei do gostinho de entender (e de não entender ao mesmo tempo) de quando estive na Itália fazendo o CEBTT, lembrei até mesmo do fim de semana que passei aprendendo a fazer pasta no ano passado. É bom demais!
Mas também já passei por tantos cursos que não me trouxeram nada! Em que não me senti ativa, potente, criativa… Nem pequena, burra, incompleta. Simplesmente foram aulas que passaram. Para aprender é essencial a abertura da experiência, é preciso que aquele conteúdo passe por nós. Que sejamos tocados, como diz Jorge Larrosa Bondía, esse ser que está presente em todos os TCCs de pessoas de humanas (eu mesma usei este trecho em dois):
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas. Porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece.”
Aprender é uma tarefa que inclui se emocionar, com todas as nuances possíveis: amar, detestar, enjoar, se entediar, gostar, duvidar, se encantar, admirar… Não é uma atividade puramente teórica, testa nossos limites e põe à prova nossas compreensões. E por isso mesmo aprender é tão bonito!
Observação: Recebi emails lindos depois que escrevi esse texto. A Thay me enviou esses prints da grande Noemi Jaffe contando sobre nossas raízes na língua italiana. E o Pedro me contou que ama que a família do seu companheiro ou companheira em francês é a sua “bela família”. Sua sogra, em francês, é “bela mãe”. Que contraste com o “mother in law” do inglês, não é mesmo? Quanto as palavras contam de uma sociedade? Tem alguma que te intriga para dividir comigo?
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Lindo texto, Isabella! Estou aprendendo Inglês e passando por algo semelhante. Agora entendo que aprender é algo emocional.