3 enganos sobre a inveja

3 enganos sobre a inveja

Todos nós somos especialistas em emoções. Não porque nos debruçamos sobre a teoria psicológica de cada uma delas, mas porque estamos num grande intensivo, do dia em que nascemos até hoje, incessantemente passando pelos mais diversos episódios emocionais.

Do jeito que caminhamos por aí, carregados por nossas dores e nossas alegrias, pode ser que a gente não se dê conta e acabe reproduzindo um monte de enganos sobre o que sentimos. Boa parte do processo de olhar para nossas emoções é para pararmos de demonizá-las.

Vamos nos debruçar sobre 3 enganos muito comuns e cruéis sobre a inveja. Uma emoção difícil de defender, fácil de esconder e, por isso, cheia de meias verdades.

1. Só sentimos inveja de quem não gostamos

Esse é o primeiro engano, tão primário e que só foi me ocorrer depois de começar a investigar o que sinto. Por muito tempo, acreditei que só sentimos inveja de quem não gostamos. Uma maneira bem simplista de olhar para o problema que essa emoção sugere. Se a inveja surge de uma falta de habilidade em me alegrar com a alegria do outro, sim, certamente a inveja pode surgir muito forte com quem não gosto.

No entanto, a inveja que dói ainda mais do que a da musa fitness irritante que seguimos no Instagram é aquela que ocasionalmente sentimos pelas pessoas que estão ao nosso redor. Amigo, irmã, primo, marido… Sabe quando uma pessoa querida está se dando bem e o que vem é algo meio cortante? Essa inveja é ardida, sórdida, cruel com nós mesmos. Que absurdo, como posso sentir inveja da minha amiga que está realizando um sonho? Por que eu sou tão ruim assim?

Dzogchen Ponlop Rinpoche tem um exemplo ótimo:

“Digamos que certo dia uma velha amiga componha uma canção que ganhe projeção viral, e do dia para noite venha a gravar um disco, dando início ao seu próprio selo musical. Todo os dias você vê o rosto sorridente dela no iPad ou no smartphone e começa a sentir inveja. Em vez de chorar por ainda estar trabalhando em uma cafeteria, o que você deve fazer?”

Trecho do livro Resgate Emocional, que continuaremos já já…

Às vezes a inveja mais dolorosa vai ser de uma pessoa de quem gostamos. Mas se a emoção dura pouco, vem e vai, podemos acolhê-la, sem maiores estigmas: é isso, sinto inveja. Deixamos que essa emoção lancinante surja, mas nem por isso permitimos que ela determine como vamos agir.

2. A inveja que sentem de mim é tóxica

O segundo engano comum sobre a inveja é que ela é tóxica. Como se fosse mágica, oferecemos mais poder do que essa emoção é capaz de ter. Não à toa, comumente falamos em olho gordo e mau-olhado quando desconfiamos do outro. Uma aura de magia e de vibrações ruins encobre a pobre inveja.

Independentemente de sua crença, ela comportando ou não um aspecto de que o outro pode emanar energias negativas, em um ponto precisamos concordar: a inveja é muito pior para quem sente. Se a pessoa não se alegra com as conquistas do outro, critica, julga ou joga quebranto, quem mais sofre é justamente ela.

No nosso Instagram, reunimos várias imagens cheias de graça (e de verdades) em #memesemocionais

A ideia de acharmos que a inveja do outro é tóxica acontece porque esquecemos que vez ou outra somos nós os invejosos de alguém. Certamente a ação de alguém a partir da inveja pode ser maléfica: julgamentos, críticas, desdém… Mas a emoção por si só… Coitada! Lembra de quando você sentiu inveja? Peito trancado, sorriso amarelo, discursividade sem fim…

“Podemos apanhar a emoção que está surgindo e reprocessá-la. Reconheça a inveja e lembre-se de observar a porta da mente com presença mental. Quando vemos quem está batendo, tentando invadir nosso espaço e chamar a nossa atenção, podemos até convidá-lo a entrar, mas primeiro colocamos algumas regras básicas. Não vai haver comportamento ruim ou correria.”

Ponlop Rinpoche, na continuação do trecho acima — e segue…

Antes de apontarmos para a toxicidade do outro, que a gente possa se lembrar que, em breve, seremos nós mesmos naquele lugar. Sem magia nenhuma.

3. A inveja é um traço de personalidade

E é esse o terceiro engano comum sobre essa emoção tão mal falada: achamos que a inveja é um traço de personalidade. Imutável, estável, permanente. Por isso, o senso comum pede para que a gente se afaste das pessoas invejosas. Congelamos quem passa por essa emoção como se nossa relação com elas se resumisse a isso.

Quando fizemos o podcast das emoções sobre a inveja, nos deparamos com este verso significativo:

“Beijinho no ombro só pras invejosas de plantão”.

Valeska Popozuda

A ideia de uma “invejosa de plantão” revela nosso autocentramento. Como se o outro, nosso inimigo, tivesse uma única função: esperar nossa vida acontecer para nos invejar. Mas é só nos colocarmos ali, no doloroso lugar de quem sente e vamos lembrar de como, junto com a inveja, temos também um monte de outras emoções.

“A emoção pode ficar um tempinho, para uma conversa sincera. Por que ela apareceu? O que a está preocupando? Na medida em que se dispõe a contar seus propósitos, aos poucos a retórica do sentimento indesejado suaviza. Começa a surgir espaço para a simpatia. A inveja passa a se tornar apreciação e felicidade pelo sucesso de sua amiga. E então, em vez de você se botar para baixo, pode até se inspirar a realizar seu próprio sonho.”

Ponlop Rinpoche, no fim desse exemplo mundano e maravilhoso, excelente para lembrarmos na próxima vez em que sentirmos inveja de nossa amiga.

A inveja é só mais uma emoção, dura pouco, vem e volta, passa. Assim como não somos inerentemente medrosos, raivosos ou tristonhos, também não somos invejosos. Podemos manifestar a inveja cotidianamente. Mas por conta dessa liberdade, podemos soltá-la também.

Os trechos ao longo deste texto, do livro Resgate emocional, mostram um pouquinho de como Ponlop Rinpoche, esse grande professor, oferece um plano, com bom humor e sabedoria, para transformar essa confusão em energia!

Um exemplo emocional…

Estamos sempre buscando por bons exemplos emocionais. E é tão difícil encontrar pessoas que lidaram bem com a inveja quando ela surgiu… Especialmente porque não falamos sobre isso. Dizemos por aí que temos raiva, que somos tristes, que morremos de ciúme, mas quase nunca admitimos que rolamos o feed do Instagram invejando as viagens, as famílias, as comidas e as casas dos nossos amigos.

Em um dos nossos cursos presenciais, uma querida participante contou de quando concorreu a uma mesma vaga de emprego com sua amiga. Na hora do resultado, a amiga levou a vaga e a inveja desceu cortando — assim ela definiu. Na hora, ela abraçou a amiga e a parabenizou, mesmo com todo o amargor e a indigestão da inveja. Mas o mais bonito: contou essa história para a gente dando risada. Trazendo leveza para um assunto tão polêmico e virando a página. Ela sentiu inveja, sim. Mas depois continuou adorando a amiga e, quando passou, conseguiu até se alegrar pelo novo emprego dela.

Essa história me fez pensar sobre como muitas vezes solidificamos a situação ou nos bagunçamos dentro dela. Sem leveza, em pouco tempo perdemos a amiga ou nos rotulamos “invejosa de plantão”. E olhar quando a inveja bate à nossa porta é o primeiro passo para conseguirmos colocar regras básicas para que ela passe por ali sem causar tantos estragos.

Se você tiver um bom exemplo emocional sobre a inveja, divide com a gente nos comentários? Vamos adorar saber.

o curso das emoções

Raiva, tristeza, medo, ansiedade, inveja e muito mais: no nosso curso online, investigamos um caminho para lidarmos com mais lucidez com as emoções dolorosas e inevitáveis. Vamos?

  1. Muitas vezes pra lidar com a inveja, justificamos o sentimento e as ações, no caso da amiga que conseguiu o emprego, justificamos pra nós mesmo “foi melhor assim, aquele emprego não era tão bom/não pagava tão bem/era longe de casa, etc” e assim começam os discursos pra nós sentirmos melhor.

    1. Isso! Isso aí pode ser o que Ponlop Rinpoche diz ser “agir com correria”. A gente não olha para a real causa da inveja: existe uma alegria se manifestando que não me envolve diretamente e, por conta disso, não me alegro.

      O que eu já me vi fazendo várias vezes é deixando a relação ir para um lugar meio torto porque eu não soube lidar com uma alegria que não me contemplava, sabe?

      A notícia boa é que assim que nos permitimos olhar para a inveja, ela nem tem mais tanta força assim!

  2. Gurias, A D O R E I essa “conversa”. Muito bom pois apesar de se tratar de uma emoção que não aprovamos e escondemos, vcs conseguiram trazer a tona de uma maneira leve e até divertida. E acho que esse é o objetivo – ser leve, encarar nossa inveja e até rir dela. Pq não?? Obrigada

  3. Lembrei-me de quando meu filho tinha nove anos e me disse, gritando: “eu sinto inveja dos meus amigos porque eles têm um iphone”.
    Aquilo me paralisou. Saber que meu filho sentia inveja era como se eu tivesse fracassado como mãe! Como assim, aquela criaturinhas tão meiga, tão bem comportada, abriga inveja dentro de si?
    Realmente a inveja é uma emoção de grande dificuldade em admitirmos em nós e em quem amamos.
    Adorei o texto!

    1. rss que bonitinho ele… adultos nem pensam em admitir quando sentem inveja. Mas me pergunto se ele sabia em si o significado da palavra. Imagino que ele quisesse dizer que também queria ter um Iphone; mas não necessariamente preferisse que os amigos não o tivessem.

  4. Parabéns, acho raro alguém falar sobre inveja de uma maneira tão adulta – admitindo que o sentimento vem pra todos e é bem dolorido – ao invés de nos dividir em times eternos de invejosos e invejados.

  5. Lembrei de quando um dia desses tava nessa loucura que é rolar o feed do instagram e acabei parando no perfil de uma atriz aqui da minha cidade. Abri uma das publicações recentes que ela tinha feito, relatando como havia sido o processo de criação da peça na qual ela estava atuando e como se sentia orgulhosa de si mesma por ter conseguido “parir” aquele projeto depois de tanta dedicação. Senti inveja de tudo, da beleza física dela, da coragem, da autenticidade e da conquista. Por uns instantes fiquei me sentindo mal com aquilo que brotou dentro de mim, mas me permiti parar e deixar que o sentimento simplesmente estivesse ali… no final, uma espécie de admiração foi surgindo. Me ocorreu a ideia de que eu também estava precisando me sentir daquela forma, ela era para mim uma inspiração. E então uma vontade de me doar a algum projeto, de poder também redescobrir essa sensação de realizar algo do qual me orgulhe, para o qual eu me sinta útil, tomou conta de mim naquele momento (estou me sentindo isolada e estagnada nos últimos tempos). Foi massa demais perceber essa mudança de percepção. Acho que nunca antes tinha feito nada parecido e com tanta consciência. Esse texto me fez lembrar dessa verdadeira prática e reforça ainda mais uma marca construtiva pra trabalhar as emoções

  6. Felizmente costumo perceber quando a inveja aparece e fico mentalmente me corrigindo; “deixa ele/ela; pára com isso…”.
    Quando se tratava de amigos, geralmente tinha a ver com o fato de que a mudança/acontecimento faria a pessoa se distanciar de mim; então acredito haver uma pitada de ciúme também.
    Quando foi com alguém de quem eu me ressentia e se saiu bem em algo, eu também me corrigia mentalmente “Deixa ele/ela ser feliz; você nunca sabe dos problemas da outra pessoa.”
    Mas é sempre algo desagradável de sentir. Achei muito positivas as colocações do artigo. Acredito que não se achar demais nem de menos e ter uma atitude de gratidão diminua bastante a frequência desse sentimento.
    O que não entendo e que até mesmo me trouxe a este artigo é: por que algumas pessoas chegam ao ponto de hostilizar outras ou prejudica-las motivadas a partir da inveja?

  7. A inveja vem de uma frustração , a frustração de não estar realizada naquela situação da vida , tem notado esse comportamento em mim, nas primeiras vezes me auto repreendi e não me permitir entender , hoje confrontei , por que estou sentindo essa inveja ? E agora elaborando aqui me dou conta que é um misto de tristeza e frustração de não estar desfrutando aquela situação que nos parece muito boa , pq quando estamos felizes , e plenos não sentimos inveja .

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Relacionado:

O melhor jeito de ir ao dentista

O melhor jeito de ir ao dentista