Depois que publiquei o texto “Suprimir o que sinto é uma boa opção?”, recebemos o seguinte email de um leitor que nos acompanha atentamente há algum tempo:
Oi, Nathália e Isabella, tudo bom?
Queria saber o que vocês indicam para quem sofre com supressão emocional. Me identifiquei com a supressão e agora estou passando por dificuldades. O que eu posso fazer?
Beijo. Obrigado.
Depois de anos considerando toda pessoa que esconde suas emoções como alguém emocionalmente equilibrada, não posso negar que fiquei muito feliz com a pergunta deste leitor. É mais ou menos um: “Ok, já entendi que não é por aqui. Mas se não é esse o caminho, vamos por onde?”
Se o seu padrão habitual é explodir quando tem raiva, gritar quando te frustam, bater quando pisam no seu calo, não é preciso que alguém te diga que agir desse jeito é dolorido. O feedback chega rápido: as pessoas que te cercam torcem a cara, inimizades são criadas ou, na melhor das hipóteses, surge um arrependimento assim que você deita a cabeça no travesseiro. Uma leve vergonha por ter jogado o que queria e o que não queria no ventilador.
Se assim é com a expressão desenfreada de uma emoção, com a supressão é bem diferente. Com cara de equilíbrio emocional, talvez você, assim como eu, tenha passado bons anos de sua vida acreditando que não demonstrar o que se sente faz com que a emoção não exista. Talvez você tenha até mesmo crescido com o referencial de que uma criança obediente e educada precisa “engolir o choro”, “deixar essa besteira pra lá” ou entender que “não foi nada”.
“… Para manter sob controle a angústia das mudanças, me acostumei definitivamente a esperar com paciência que cada emoção implodisse e tomasse o rumo da voz pacata, guardada na garganta para não dar vexame.”
Elena Ferrante, em Dias de abandono
O trecho acima quem diz é Olga, personagem do livro de Elena Ferrante, que passa por um turbilhão de emoções durante os dias em que o marido a abandona. O livro todo é um ótimo exemplo do que as recentes pesquisas em regulação emocional dizem: suprimir o que sentimos nos transforma em uma panela de pressão. E mesmo que os olhos finjam que não veem, o coração sente, sim.
Se você se identifica com o padrão de engolir em seco, colocar panos quentes, aguentar o tranco e negar uma emoção, esse texto pode te ajudar. Reuni aqui um passo a passo simples para que a gente possa começar a perceber o que dá para ser feito agora que já notamos que nossa tendência é cair no extremo emocional da supressão.
Passo a passo para a próxima vez em que você fizer cara de paisagem
Esse é um guia para você e eu usarmos como base quando a emoção bater e a gente se perceber indo ladeira abaixo para aquele sorriso amarelo, externamente tão confortável.
Um passo a passo ideal para o momento em que nossa cara de paisagem estiver tomando as rédeas, sabe? Vamos lá:
1. Parabéns, pode se alegrar!
A primeira coisa a fazer, tendo você percebido a supressão na hora da emoção ou um pouco depois, é se alegrar! Se foi no momento em que o síndico do prédio bradou aquele absurdo ou só depois que você fechou a porta do apartamento, a primeira coisa a lembrar é que já estamos de parabéns!
Estamos, finalmente, reconhecendo padrões, coisa que até pouco tempo é provável que tivéssemos como dado, quase que como um traço de personalidade, uma não-qualidade imutável.
O primeiro passo é simples, bem bom, é um abraço de regozijo e um biscoito para nós mesmos!
2. Perceba seu corpo
Em alguns casos, é importante dizer, suprimir uma emoção será o melhor que poderemos fazer no momento. No entanto, para reduzir os malefícios dessa panela de pressão interna, podemos estar atentos ao que está se passando com nosso corpo. Como eu sinto essa emoção? Onde ela me pega? Dói? Muda meu tom de voz, meus batimentos cardíacos, minha percepção do mundo?
Podemos nos atentar a esses detalhes. O corpo é um instrumento bem palpável, cheio de sensações e bastante interessante. Colocar atenção no que se passa em nosso corpo no momento da emoção, nos tira da mente da discursividade e nos faz voltar para o que interessa: aqui e agora. É bem sutil, mas se conseguirmos estarmos inteiros nesse processo, nem supressão mais é: vira escolha!
3. Lembre que a emoção passa
Se fôssemos ficar muito tempo no passo anterior, que angústia seria! Já pensou viver horas assim, prestando atenção em quantas tensões esse ódio que você sente traz para o seu corpo? Pois não será preciso: a emoção passa. Pode durar minutos, pode até ser engatilhada de novo e de novo, mas não é tão poderosa assim.
Você pode fazer o teste em seu próximo episódio emocional. Quanto tempo dura? No curso online, explicamos detalhadamente um recurso muito útil: a linha do tempo das emoções. Por meio dela, notamos com mais clareza quais são nossas reações usuais, nossos gatilhos e, especialmente, como a raiva, o medo, a alegria e o nojo simplesmente… Passam!
4. É um caminho longo, pode se conformar!
Assim como não tem fórmula mágica ou pílula do equilíbrio, também não há um atalho curto para nos curarmos desse jeitinho de abafar o que sentimos. Buscar por essa consciência das emoções é um caminho cheio de altos e baixos, em que, pouco a pouco, vamos abrindo as possibilidades de escolhermos nossos comportamentos.
Do mesmo modo como não saímos do primeiro dia de treino com os músculos torneados, ter consciência emocional leva tempo. Os professores dizem que a prática vai nos ajudar a descobrir novas formas de lidar com a emoção, por isso, podemos treinar!
Mas não só isso: é preciso treinar olhar para as emoções que nos doem com o mesmo carinho que sua professora de alfabetização teve com você lá atrás. Você não sabia letra nenhuma! Não lia nem meia frase! Ainda assim, é nítido que ela não desistiu — não te taxou de burro e se conectou com a mera possibilidade do seu florescimento. Funcionou!
5. Use a arte para se conectar
Aqui é algo muito simples, que tem me ajudado e pode te ajudar também. Experimente se deixar ser tocado por suas emoções em experiências artísticas. Você pode fazer do seu mundo interno seu experimento pessoal.
Reaprendi esse recurso com Giordano Castro, um grande ator do Grupo Magiluth: ele usa a música definitivamente como aliada. Giordano me ensinou a ter muitas playlists. Para ficar triste, para ficar feliz, para ouvir na praia, para ficar calminha ou virar um leão.
Você sabe quais músicas te acessam nesse lugares? Sabe quais outras te apertam um botão e imediatamente te fazem chorar? Você pode reuni-las em playlists especiais. Ou escrever poemas num caderno, assistir aos filmes como um investigador curioso… Vale livro, filme, fotografia, desenho…
Podemos considerar essa pesquisa pessoal como um treino para nos conectarmos um pouquinho com a real experiência de sentir.
Espero que esse passo a passo possa ser útil para você, como é um excelente lembrete para mim (especialmente a cada encontro com o síndico do prédio ao lado — um beijo, Seu Durval).
Fizemos um episódio do podcast das emoções só sobre supressão emocional. Usamos a música de Arnaldo Antunes “Socorro” como base para a conversa. Aliás, nosso podcast é um exercício constante de buscarmos na arte breves explicações sobre o que sentimos — e é uma delícia!
Ao longo dos últimos anos, temos investigado supressão e expressão das emoções, antídotos para as dores que sentimos e muito mais. Se quiser entrar numa investigação mais longa com a gente, vamos adorar te receber!
o curso das emoções
Raiva, tristeza, medo, ansiedade, inveja e muito mais: no nosso curso online, investigamos um caminho para lidarmos com mais lucidez com as emoções dolorosas e inevitáveis. Vamos?
Oi, queridas!
Bom demais ter notícias de vocês e, melhor ainda, saber que vocês continuam o trabalho maravilhoso de vocês. Sabem como tenho lidado com as emoções? Tenho me perguntado qual a relevância daquilo que me causou a emoção… será que é uma boa opção? Um grande e saudoso abraço!
Oi, querida Inês!
Sem dúvidas é uma boa opção para o dia a dia, para aquelas besteiras cotidianas… Usar a linha do tempo emocional ajuda muito a gente a olhar longo prazo, né? Será que é esse tipo de pessoa que eu quero ser?
<3
Beijos!
Oi meninas! Adorei o texto. A primeira vez que olhei pra minha supressão pensei que fosse um caminho sem saída. Bom poder observar a paisagem pelas janelas. Agradeço pelo texto, vou usar as dicas (gostei da dica da arte: uma parte do contato que tenho com a arte todo dia vem do “O curso das emoções”). Gosto das fotografias e da arte que são usadas no texto: a pessoa se escondendo atrás da máscara está ferida!! Que situação essa nossa! Abraço, tudo de bom!
Excelente abordagem, Isabella!
Agora, ainda mais nessa época de isolamento social, é preciso conhecer aprender a lidar com nossas próprias emoções. Estou em trabalho remoto desde março e hoje mesmo passei por uma experiência nesse sentido, da supressão de emoções. Logo após o almoço, me irritei profundamente com uma situação consegui lidar parcialmente de forma satisfatória. Mas saí bufando (sem dizer tudo o que queria – ou achava que queria) para não piorar a situação. Mas, será que foi a melhor saída? O resultado disso foi que me desconcentrei e levei pelo menos uma hora para conseguir voltar ao eixo e seguir com minhas atividades de trabalho.
Oi, Raimundo!
Que bacana o ponto que você trouxe! Quando analisamos nossos comportamentos tendo em vista nosso bem-estar a longo prazo, tanto explodir na hora da emoção não faz sentido, como suprimir também não. Não queremos ser levados pelo que sentimos, mas também não queremos reprimir (ou então sermos passivos diante de injustiças, por exemplo). Buscarmos pela melhor saída é um processo longo, que não tem receita pronta (mas tem jeito!). 🙂
Fico feliz que você tenha lido o texto e que nosso encontro traga essa conexão até hoje!
Isabella