Dá pra ver que estou sorrindo de máscara?

Dá pra ver que estou sorrindo de máscara?

Na única reunião presencial que fizemos depois que a pandemia chegou ao Brasil, Nathália e eu entramos na sala com cumprimentos comportados aos presentes. Essa é uma daquelas situações novas que exigem um certo traquejo social. Certamente há uma cartilha dos bons modos pós-Covid, mas eu ainda desconheço. Acenar com a cabeça é o bastante? Devo fazer aquele toque de cotovelos esquisitíssimo? Passo álcool em gel antes onde vou sentar? Tiro a máscara para o cafezinho?

Na dúvida, optei pelo aceno básico de cabeça, confiei na limpeza do local e deixei o cafezinho esfriando. Sem chances de tirar a máscara. No entanto, com receio de parecer antipática, uma dúvida me consumiu: será que dá para ver que eu estou sorrindo?

Depois de uma conversa inicial, já sentadas e acomodadas, uma das pessoas reunidas ali confessou: “Estou cansada de sorrir bastante, para tentar mostrar que estou sorrindo apesar da máscara!”. Ufa! Era exatamente isso que eu estava sentindo. Ela quebrou o gelo, afinal, todos nós estávamos nos esforçando para dar um jeito de transparecer nossos estados emocionais amigáveis.

Imagem de @yrurari

Com as máscaras fazendo parte do nosso cotidiano, uma questão muito interessante aparece: percebemos como nos comunicamos muito mais do que imaginamos por meio das nossas expressões faciais. Paul Ekman, um dos criadores do programa Cultivating Emotional Balance (CEB), diz isso há muito tempo, desde que começou a pesquisar as expressões e a fisiologia das emoções.

“A face é sempre observável, a menos que a pessoa deixe a cena ou que a cultura determine o uso de máscaras ou véus, o que é cada vez mais raro.”

Paul Ekman, em A linguagem das emoções

O curioso é que a face, perfeitamente preparada para agir reativamente, absolutamente observável, passa agora por tempos em que ficará coberta. Por essa nem Paul Ekman esperava! Se era ela uma fiel cúmplice de nossa observação (ao contrário da voz, por exemplo, que pode se calar), agora não mais será por algum tempo.

É como se precisássemos, de repente, de um esforço extra para nos comunicar. Seja no jeito em que estamos sorrindo por debaixo das máscaras ou na observação ainda mais refinada que precisamos colocar em nossos interlocutores.

Mas voltemos à pergunta do título deste texto: afinal, dá para ver que estamos sorrindo quando estamos de máscara? Para isso, vamos usar uma foto de Paul Ekman com uma montagem minha (sorry, Paul) para tentar descobrir mais sobre o sorriso, essa grande expressão da alegria. Responda à pergunta antes de descer a tela:

Em qual foto Paul Ekman está sorrindo?

É provável que você tenha respondido que ele sorri na segunda foto. Os olhos franzidos denunciam que algo está acontecendo por debaixo da máscara. A surpresa, no entanto, é que nas duas imagens Paul Ekman sorri.

Existem vários tipos de sorriso. Aquele sorriso de uma reunião de trabalho, Paul Ekman chama de “sorriso polido”. É um sorriso simpático, que visa transparecer apreço. Por alguns, pode ser considerado até mesmo falso, mas não precisa ser assim. Se ele não é um sorriso de satisfação, é a prova de que precisamos, diversas vezes, mostrar aos outros que estamos interessados neles, que estamos abertos e disponíveis! O típico caso de um atendimento no trabalho, de uma vendedora te abordando numa loja, de alguém ouvindo um amigo contar uma história…

Paul Ekman demonstra um sorriso “falso”, polido, e depois, o sorriso de Duchenne — diferença notável!

O rosto avisa se o sorriso nasce ou não de uma genuína satisfação. Um neurologista francês fez essa descoberta e seu nome dá origem à expressão que diz que um sorriso é legítimo, de pura alegria: sorriso de Duchenne.

O fato é que a gente não consegue forjar o sorriso de Duchenne. A expressão de uma alegria franca, que se mostra no rosto com essas dobrinhas ao redor dos olhos e outras mudanças, é acionada por um músculo que obedece à vontade e outro que, segundo o próprio Duchenne du Bolougne, só é ativado pelas “doces emoções da alma”:

“A alegria falsa e o riso enganoso não podem provocar a contração desse segundo músculo. O músculo ao redor dos olhos não obedece à vontade; ele só é ativado por um sentimento verdadeiro, por uma emoção agradável. Sua inércia, no sorriso, desmascara um falso amigo.”

Não é de todo ruim um sorriso falso. Uma reunião de negócios pode não ser algo extremamente satisfatório, mas deixar claro o apreço que sentimos pelo outro com um simpático sorriso, é muito bem-vindo.

É por isso também que é tão cansativa a comunicação com máscaras. É como se tentássemos reproduzir o olhar do sorriso sincero sem nem saber como acionar os músculos responsáveis. Afinal, eles não são mesmo acionáveis para a maioria de nós — parece que apenas 10% das pessoas consegue movê-los com profundidade voluntariamente!

As atrizes Isabela Mariotto e Júlia Burnier criaram na quarentena a personagem Tina: nesse vídeo ela explica como se comunicar apesar da máscara

Ficamos exaustos de tanto sorrir por detrás das máscaras talvez porque também buscamos as outras mudanças visíveis no sorriso de Duchenne: os contornos das bochechas que saltam, as sobrancelhas que descem levemente, se aproximando dos olhos… Mas é esforço demais para pouca visibilidade.

Dica do Paul Ekman: temos outros recursos

Se as emoções existem para enviarmos mensagens aos que nos cercam, certamente usar a máscara muda o jeito com o qual nos comunicamos. Não à toa quando tentamos suprimir uma emoção, dizemos que estamos tentando “mascarar o que sentimos”. Agora estamos todos mascarados, tentando nos entender de outros jeitos.

No entanto, as emoções não modificam apenas nossa face.

“Uma vez que alguém começa a falar, é muito difícil impedir que os sinais do que se sente não apareçam na voz. Pouquíssimos de nós conseguem simular de forma convincente o som de uma emoção que não estão sentindo. Isso requer a habilidade de um ator.”

Paul Ekman, em A linguagem das emoções

Sabemos mais sobre as expressões na face, estamos mais acostumados a reconhecê-las, forjá-las, mascará-las e a sermos enganados por elas também. Mas a voz é um excelente recurso, apesar de muito menos suscetível à nossa vontade. Quem já tentou disfarçar o choro no telefone sabe bem disso.

Para as situações em que queremos esbanjar nosso mais sincero “sorriso polido” de máscaras, podemos levar em conta que, se nossa comunicação facial está prejudicada, outras leituras serão aprimoradas. Como é usar minha voz para fazer o papel social do sorriso? E qual o peso das palavras que digo e da minha postura corporal? Será que consigo usar destes recursos com um pouco do traquejo de sorrir educadamente?

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